Mindfulness é uma tradução para o inglês da palavra “sati” (da língua Pali) que significa recordar, estar atento. Em português utilizamos o termo Atenção Plena para o mesmo contexto. Mindfulness é uma característica ou estado psicológico que expressa a capacidade natural que todos nós temos de estarmos atentos ao momento presente com aceitação e sem julgamentos. Parece simples e fácil de acessar esse modo, mas no tempo da multi-tarefa perdemos o hábito de olhar para a nossa experiência atual vivendo uma vida mais inundada de passado e futuro aumentando o contato com situações desafiadoras que não estão acontecendo.
A melhor forma de compreender esse fenômeno é através da observação da nossa própria experiência e é assim que vamos tentar fazer você pensar sobre isso. Quantas vezes nos últimos dois dias você pensou em problemas que aconteceram no passado? Quantas vezes nos últimos dois dias você pensou em problemas que ainda não aconteceram ou podem vir a acontecer?
Passamos grande parte do tempo atualizando o passado e antecipando o futuro. Aumentamos o tempo que nos relacionamos com o stress. Isso pode acontecer de maneira muito simples, quando temos que pagar uma conta no final do mês, mas a cada vez que pensamos nela experienciamos sensações e sentimentos como se fosse o dia do vencimento. Pode acontecer nas relações interpessoais também, quando, baseados no passado reagimos a nossas emoções como se os problemas antigos fossem voltar a acontecer a qualquer momento. O medo de julgamento, medo de perder a segurança, receio de perder a estabilidade são emoções que se referem a algo que não está necessariamente acontecendo no presente (quando você está tomando banho, por exemplo, ou apenas caminhando), se referindo a um futuro que ainda não chegou, mas a forma como lidamos com elas podem exercer grande poder sobre nossas escolhas. Diante do medo de julgamento, podemos evitar situações que evoquem esse estado mesmo que envolva algo que realmente tenha valor.
Mais uma pergunta: quantas vezes nos últimos dias você simplesmente parou e sentiu as sensações no seu corpo? O toque dos pés no chão, observar a sua postura ou simplesmente notou as sensações físicas da respiração? Agora compare a respostas para as perguntas que fiz.
Pensar no nosso stress, dores, medos, nos mantêm em contato com eles. Com as práticas de Mindfulness ancoramos a nossa atenção ao momento presente através das sensações no nosso corpo, afinal, ele sempre acontece no agora. Nossa atenção pode flutuar entre passado, futuro e presente. Mas o nosso corpo não. Jon Kabat Zinn, da Universidade de Massachusetts, o idealizador do Programa de 8 Semanas (MBSR - Mindfulness-based Stress Reduction) diz que “onde quer que você vá, lá você está”. Observando nossos estados internos diminuímos a influência de experiências avaliadas como ruins e, dessa forma, diminuímos consideravelmente os níveis de stress.
Como o mindfulness pode ser importante para as crianças? Porque e para quê desenvolver habilidades mindfulness em crianças? Será que é possível? Crianças conseguem se concentrar em exercícios de meditação mindfulness? Tem uma idade adequada para isso?
Bem, estas são algumas das dúvidas mais comuns e vamos esclarecê-las nas próximas linhas.
No mundo em que vivemos hoje é necessário desconectar do modo “automático” que nos comportamos diariamente e estar mais consciente daquilo que acontece a cada momento nas nossas vidas. Aprender a desfrutar e valorizar cada momento pode nos ajudar a gerir de forma mais funcional as dificuldades e desafios e a construir uma vida mais valorosa. Ensinar às crianças a desenvolverem atenção ao momento presente, auto-regulação (dos pensamentos e emoções) e empatia ajudam-nas a estarem no mundo mais preparadas para lidarem com seus problemas e pode prevenir maiores transtornos na vida adulta. Habilidades mindfulness na infância podem auxiliar na diminuição das sensações de ansiedade (sim, as crianças sentem-se ansiosas também e tem sido uma demanda muito presente atualmente nos consultórios de psicologia), estresse, explosões de raiva e desconcentração/distrações, além de aumentarem o bem-estar, capacidades de gerir a si mesmo a ao outro e aumentar o foco. O mindfulness promove o desenvolvimento de recursos para aprender a lidar com a raiva, os medos, as angústias, as frustrações e a própria mente flutuante. Viver no presente pode nos trazer benefícios surpreendentes. Viver no futuro, com os pensamentos sempre cheios de preocupações sobre como as coisas serão ou deveriam acontecer ou viver no passado, preocupados a respeito de como os acontecimentos ocorreram, nos faz sentir presos, estressados e ansiosos. A presença acontece quando estamos atentos, quando estamos em contato com a nossa experiência. O mindfulness é um tipo especial de atenção que é desenvolvida e aprofundada ao determinarmos o que é mais relevante e mais importante a cada instante. É algo que todos somos capazes de fazer mas que nem sempre fazemos conscientemente. Requer foco e concentração. Por que não começar cedo a treinar tal capacidade?
Muitos pais e mães podem estar pensando: “Mas como é possível trabalhar mindfulness com o meu filho? Ele não pára quieto!”; “Ele não vai conseguir se concentrar nisso, ele é muito agitado e distraído!”; “Meu filho só quer brincar, não iria ficar paradinho e concentrado para fazer mindfulness!”. Esse é também o que passa na cabecinha das próprias crianças quando falamos sobre mindfulness com elas. Uma das crianças que participou do programa de mindfulness e autoconhecimento para crianças disse: “Eu pensei que a gente ia ficar aqui meditando por duas horas e achei que ia ser bem chato, mas é muito diferente do que eu imaginava!” (10 anos). Outra participante disse: “Eu gostei de fazer mindfulness, me deixa calma. Treinei em casa com meu ursinho (de pelúcia)” (5 anos). Uma outra disse: “Quero fazer de novo!” (8 anos) (após realizarmos uma prática lúdica juntos). Isso quer dizer que a prática com crianças envolve atividades não formais, ou seja, brincadeiras, jogos, exercícios lúdicos que promovem o desenvolvimento das habilidades essenciais de mindfulness. As sessões são mais curtas e são apresentadas de uma maneira que gere o interesse dos pequenos. Não podemos forçar as crianças a praticarem e nem utilizar a sua prática como um castigo para elas: “Você está muito destraído e desconcetrado! Vá fazer mindfulness”. Essa é uma forma não recomendada de agir e atrapalha o processo de introdução das práticas na vida cotidiana da criança. Precisa ser uma experiência natural, prazerosa e tranquila. Para facilitar, os pais e mães podem realizar os exercícios mindfulness juntos! Assim, permitir que a vida seja mais mindfulness fica muito mais gostoso e fácil porque passamos a funcionar como um exemplo para eles e as mudanças e ampliação de repertórios vêm para toda a família.
Para deixar mais claro, vai aí alguns exemplos de como podemos propor atividades mindfulness para as crianças e com elas:
Atenção à respiração com bichinhos de pelúcia: Peça para o seu filho escolher o seu bichinho de pelúcia preferido e escolha um para você também. Deitem e coloquem-no posicionado em cima da barriga e comecem a prestar atenção no movimento do seu pelúcia enquanto respira, subindo e descendo. Perceba se está rápido ou devagar, como se move e podem começar a contar juntos quantas vezes ele sobe e desce. Depois contem devagar juntos e prestem atenção no ar entrando e saindo. Podem fazer quantas vezes quiserem! A brincadeira pode ficar ainda mais interessante se trocarem os bichinhos de pelúcia e a cada dia escolherem um diferente. Variação: Podem também brincar de soltar bolinhas de sabão ou de girar um catavento colorido, treinando as habilidades de atenção à respiração.
Body scan adaptado para crianças: Cada um escolhe uma posição em que se sinta confortável e atento. Comece pedindo que prestem atenção ao seu corpo, à todas as sensações que surgirem e ao peso do corpo na superfície de apoio. Então iniciamos a brincadeira, pedindo para que cada um falar uma parte do corpo, como perna, cabeça, braço, pés, olhos. Cada um fala uma parte do corpo e voltamos nossa atenção àquela parte do corpo que foi dita, por alguns instantes. Podemos descrever as sensações nela, dizendo uma palavra que possa definir: está fria, quente, pesada, doendo, coçando, com vontade de se mexer? Brinque de prestar atenção a cada momento em um local do seu corpo junto com o seu filho! Variação: Podemos começar brincando de falar as sensações corporais de personagens de histórias em quadrinhos. As expressões corporais e faciais são bem marcantes e as crianças gostam muito!
Ativar os superpoderes dos sentidos: Peça para seu filho escolher um super herói ou uma super heroína que ele goste muito. Pergunte o que ele mais gosta dele e qual o superpoder que queria ter também. Então podemos falar sobre cada um dos nossos sentidos (tato, olfato, visão e audição) e de como podemos ativar cada um deles, o máximo que pudermos. Podemos pedir para olharmos uma flor, fruta ou mesmo um brinquedo em cada um dos seus detalhes, utilizando cada um dos nossos sentidos. É uma experiência divertida e super poderosa para o desenvolvimento de habilidades mindfulness de estar presente!
Pais e mães, não tem idade para começar as práticas mindfulness e o desenvolvimento destas habilidades desde pequeninos pode ajudar no desenvolvimento emocional saudável deles. Então, não percam tempo e dêem a oportunidade ao seu filho de experienciar momentos importantes e valorosos para a vida.
Mariana Paz
Psicóloga pela Faculdade Ruy Barbosa (2004) e tem mestrado em Psicologia Experimental pela Universidade Federal do Pará (2007). Formação em psicoterapia analítico comportamental (FAP) e terapia de aceitação e compromisso (ACT) pelo Instituto Continuum (PR- 2015). Atualmente faz atendimentos em clínica psicológica particular, principalmente atendendo o público infantil e juvenil com experiência de 10 anos, ministra aulas na área comportamental em instituições de ensino para graduação e pós-graduação e é supervisora clinica. Ministra palestras e cursos sobre Psicoterapia Infantil e Mindfulness para pais e crianças.
Ana Martha Lima
Psicóloga pela Ruy Barbosa (2013), Especialista em Terapia Analítico-Comportamental pela Unijorge (2015) e Instrutora de Intervenções Baseadas em Mindfulness pela Unifesp (2017). Ministra cursos, oficinas e palestras.
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